Hidroxicloroquina e COVID-19

Esse post foi motivado pelas discussões sobre o assunto Hidroxicloroquina e COVID-19. A cientista Aline Castro, sente na obrigação de tentar explicar ciência já que tem tanta desinformação relacionada ao assunto.

Hidroxicloroquina

Apesar da comunidade científica mostrar diversos estudos com metodologia de qualidade que apontam para o mesmo resultado - Hidroxicloroquina (HCQ) é ineficaz para o tratamento de COVID-19, existe uma parcela da população dando opinião de que sim, a HCQ deve ser usada em pacientes com quadro grave, moderado e leve de Covid-19.


Antes quero deixar alguns pontos:


Ciência só se refuta com ciência. Você pode ter opinião sobre músicas, sobre comidas, sobre roupas. A ciência não é passível de opinião. Você só pode questionar um estudo se você vier com um outro estudo científico. Aí sim é passível de questionamento. Questionar é uma arte, aprendam!

Medicina Baseada em Evidências

Outro ponto é que existe um conceito chamado "Medicina Baseada em Evidências". Trata-se da prática médica onde a experiência clínica é integrada à capacidade de analisar criticamente e aplicar as informações científicas a fim de melhorar a qualidade de assistência médica. As decisões clínicas se estruturam em publicações científicas especializadas. Os estudos científicos fornecem subsídios importantes nas tentativas de diminuir as margens de incertezas nas decisões clínicas e erros em decisões baseadas na experiência acumulada. Ou seja, todo esse trabalho em conjunto da comunidade científica e médica é para atribuir segurança aos pacientes.

Existem critérios bem estabelecidos também para a avaliação dos artigos publicados na literatura, e eles se baseiam no conhecimento da melhor metodologia de delineamento e execução de um estudo científico para cada uma das situações que se pretende estudar (diagnóstico, tratamento, prognóstico), dentre eles: definição da amostra, delineamento do estudo, controle dos vieses e análise estatística.

Um estudo precisa apresentar algumas características como: ser randomizado (participantes selecionados de forma aleatória), controlado (grupos com características equivalentes) e duplo-cego (pesquisadores e pacientes não sabem quem recebe placebo ou medicamento).

HCQ

No quadro de pandemia, todos os esforços de conseguir uma terapia eficaz foi aceito. A HCQ (tem uma toxicidade elevada) começou a ser estudada in vitro. Ela apresentou resultados positivos in vitro. Mas as condições em cultura celular são bem diferentes das do corpo humano com seus elaborados sistemas.

Assim, com a pressa de se obter uma terapia eficaz para acabar com a pandemia, a HCQ começou a ser administrada em pacientes com quadro grave de Covid-19 enquanto as pesquisas clínicas aconteciam. E o que aconteceu? Pacientes se recuperaram, outros não, e outros, tiveram complicações decorrentes dos efeitos colaterais da HCQ. As recuperações foram atribuídas à HCQ já que não tinha parâmetros e grupos distintos para comparação.

Daí começaram a sair os estudos clínicos científicos (link dos 4 estudos mais recentes) que analisaram um número grande de pacientes com Covid-19, em quadros graves, moderados e leves. E o que aconteceu? A administração de HCQ não foi associada a uma menor ou maior taxa de intubação ou morte; HCQ + azitromicina não foi associada a uma menor taxa de mortalidade; não alterou o desmame do oxigênio e nem o período de internação; e nem alterou a eliminação do vírus. Além disso, eventos adversos foram maiores nos pacientes tratados com HCQ do que nos pacientes não tratados.

Alguma vez você já foi ao médico e questionou do porquê ele não te dar um anticonvulsivante ao invés de um antiácido para sua queixa de refluxo? Certamente não. Por que? Porque cabe ao médico prescrever aquilo que temos de melhor em relação às evidências clínicas. Ele e toda a comunidade científica estudou muito sobre o que serve e o que não serve para refluxo. Por isso que hoje temos um "padrão ouro" de tratamento para refluxo. "Mas o meu amigo usou anticonvulsivante e curou o refluxo". Isso não é suficiente para fazer uma mudança no protocolo de tratamento, a não ser que o seu amigo tenha feito uma pesquisa científica revolucionária.

Dessa forma, não basta querer ou achar que uma determinada substância seja a cura. Isso cabe aos profissionais competentes no assunto dizer se determinada substância, seja ela qual for, é eficaz ou não.

Somos seres pensantes. Analisar, discutir e questionar é super válido, desde que seja por premissas verdadeiras. CIÊNCIA NÃO É OPINIÃO. CIÊNCIA SE REFUTA COM CIÊNCIA.


Link dos artigos: 

  • https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2012410
  • https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2766117
  • https://www.bmj.com/content/369/bmj.m1844
  • https://www.bmj.com/content/369/bmj.m1849

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